Entrevista a Monsenhor Jorge Ramos, sacerdote português e actualmente Vigário Regional do Opus Dei na Croácia, publicada na revista Sábado do passado dia 24 de Julho.
Podia ter sido um bom engenheiro electrotécnico formou-se com média de 16 na universidade do Porto. Tornou-se sacerdote já depois de ter entrado para a Obra, O português que há cinco anos é o Vigário Regional do Opus Dei na Croácia vive num apartamento de Zagreb com outros 10 membros e desloca-se de transportes ou em carro emprestado, porque ainda não tem automóvel. A conversa com a decorreu ao telefone e por email – escreveu mais de 22 mil caracteres para responder às perguntas, num teclado sem cedilhas nem acentos.
Como surgiu este desafio para "fundar" o Opus Dei na Croácia?
O convite do Prelado [o espanhol D. Javier Echevarría, líder da Obra) foi-me dirigido, na Páscoa de 2003, através do vigário do Opus Dei em Portugal. Graças a Deus, pude responder imediatamente que sim. Falei depois directamente com o Prelado, que me respondeu: "Que grande alegria que me deste." Diz que quando organiza projectos de expansão sente a necessidade de contar também com algum português.
Porquê?
Porquê?
Os portugueses são em geral muito bem recebidos em todos os lugares. Há portugueses nas comissões regionais da Holanda, do Brasil, da Costa do Marfim e da África do Sul, onde o primeiro vigário regional também foi português.
Como é que se instalaram?
Como é que se instalaram?
Há uns anos que alguns fiéis da Prelatura faziam viagens periódicas a Zagreb. Alugaram um andar num edifício conhecido como Pequeno Vaticano (porque pertenceu à Igreja nos anos 50). Dois dias depois de chegarmos, dei a minha primeira meditação em croata a dois jovens universitários vizinhos nossos, no andar ainda em obras.
Quem o acompanhou no início de operações?
Quem o acompanhou no início de operações?
O grupo tinha mais quatro pessoas escolhidas pelo Prelado: um sacerdote de Madrid, um economista mexicano, um médico e um físico, ambos croatas. Os meus quatro amigos são membros do conselho do vigário para os homens: ajudam-me na tarefa de governo do Opus Dei. A assessoria regional [para as mulheres] é dirigida por uma croata que vivia no Peru.
Antes de começarmos, estivemos cinco dias em Roma, para receber formação.
Como é que aprendeu a língua?
Estudei durante dois meses mais de dez horas por dia e tinha três aulas por semana com um professor de inglês da Academia Militar. Procurei aprender o essencial para poder celebrar a missa, pregar e confessar. Quando celebrei pela primeira vez em croata, as pessoas comentaram que falava croata como o Papa João Paulo II. As dificuldades trouxeram uma vantagem: mais capacidade para escutar. Os fiéis apreciam quando o sacerdote ouve sem interromper.
Alguma vez não percebeu os pecados que lhe estavam a ser transmitidos?
Alguma vez não percebeu os pecados que lhe estavam a ser transmitidos?
Penso que percebi sempre. Mas no princípio era mais difícil o diálogo. Com o meu companheiro sacerdote espanhol aconteceu um episódio engraçado: queria dizer uma vez que tinha "dois" irmãos sacerdotes, mas as pessoas entenderam "doze" - houve jornalistas que lhe telefonaram para fazer uma entrevista com esse pretexto.
Quantos numerários (membros que vivem em celibato, em centros da Obra) há na Croácia?Cerca de 20, mais ou menos o mesmo número de homens e de mulheres. Há pessoas de todas as profissões: estudantes, médicos, advogados, engenheiros, professores, polícias, empregados e donas de casa.
Como se explica a um numerário que entra na obra o uso do cilicio, das disciplinas e outras práticas de mortificação corporal? Nunca houve reacções estranhas?
Quantos numerários (membros que vivem em celibato, em centros da Obra) há na Croácia?Cerca de 20, mais ou menos o mesmo número de homens e de mulheres. Há pessoas de todas as profissões: estudantes, médicos, advogados, engenheiros, professores, polícias, empregados e donas de casa.
Como se explica a um numerário que entra na obra o uso do cilicio, das disciplinas e outras práticas de mortificação corporal? Nunca houve reacções estranhas?
(Ri-se.) Em geral as pessoas são receptivas. As práticas de mortificação são livres e não se impõem a ninguém. Digo que são práticas que ajudam a oferecer a Deus um pequeno sacrifício, uma maneira de pagar a dívida que temos para com Deus. Sem mortificação não há progresso na vida espiritual. A mortificação é a ponte levadiça que permite o acesso ao castelo da oração.
Também segue as práticas de mortificação?
Naturalmente vivo as práticas que S. Josemaria Escrivã [fundador do Opus Dei] recomendou: esforço-me por acabar bem o trabalho, por atender com cordialidade as pessoas, por ter paciência com as 50 a 100 pessoas que confesso cada dia, etc. Nem sempre sou bem sucedido, mas esforço-me por não desistir. Uso as disciplinas uma vez por semana, como é prática tradicional, e o cilício duas horas por dia, excepto ao domingo e nos dias de festa da Igreja. O Opus Dei não é um museu de santos, mas sim um laboratório de pecadores. O processo de conversão destes pecadores em santos é longo e laborioso. Como dizia S. Josemaria, às vezes um sorriso pode custar mais que uma hora de cilício.
Já há uma lista de livros interditos na Croácia?
Ainda não, mas temos boas livrarias onde sabemos que os donos seleccionam os livros e podemos recomendar com segurança: os títulos são seguros quanto à doutrina do ponto de vista religioso. E do ponto de vista filosófico e cultural, nestas livrarias o material é bom.
E já analisaram os romances croatas?
Ainda não fizemos isso, é um trabalho que tem de se fazer pouco a pouco. Mas os grandes autores croatas são católicos e de qualidade. À medida que formos lendo podemos avaliar. A atribuição de valores de 1 a 6 é só uma espécie de classificação que ajuda a escolha do futuro leitor. Algumas obras são bastante negativas e não vale a pena perder tempo a lê-las. Sabemos como é importante defender a nossa fé dos micróbios que a podem prejudicar. Sabemos como é necessário alimentar essa fé com leituras adequadas.
Como é o seu dia-a-dia normal?
Como é o seu dia-a-dia normal?
Habitualmente levanto-me por volta das 6 h e depois de fazer meia hora de oração celebro a Santa Missa. Depois dedico algum tempo às orações do Breviário e à leitura espiritual. Durante a manhã confesso cerca de quatro horas cada dia na catedral de Zagreb e durante a tarde nos centros do Opus Dei, onde temos meios de formação para distintos públicos.
Recebe salário por ser vigário regional?
Não. Os nossos sacerdotes não recebem pelo seu trabalho. Assim podemos viver melhor o desprendimento dos bens materiais e a rectidão de intenção.
Quantos centros têm e como se financiam?
Há um centro masculino e um feminino, que é também residência de estudantes. Cada centro tem dez numerários, que contribuem com o seu salário. E recebemos alguns donativos.
Há algum relatório sobre cada membro?
Vivemos num ambiente pequeno, conhecemo-nos todos bem, não é necessário grandes informações. Temos um pequeno ficheiro com nome, morada e contactos de cada membro, mas nada mais.
Há numerárias auxiliares [mulheres que se ocupam das tarefas domésticas] no apartamento onde vive com os outros 10 membros da Obra?
Ainda não. Mas é uma questão de tempo. Aqui há muitas raparigas que se dedicam trabalhos domésticos. É muito natural que entrem na Obra e pensem que podem ajudar dessa forma. Na nossa casa, as tarefas domésticas são de uma amiga da mãe de um dos numerários. Quando não está a senhora, tratamos nós disso. Mas não é a mesma coisa - quando a senhora nos ajuda, podemos dedicar-nos a outras tarefas.
Desempenham algum tipo de trabalho de assistência social aos mais pobres?
Fizemos vários trabalhos de voluntariado social em zonas que foram especialmente afectadas pela guerra de 1991-95. Numa ocasião, uma jovem mãe com dois filhos pediu-me uma máquina de lavar roupa. Falei com um amigo que se ofereceu para resolver o problema. Foi à missa, rezou para encontrar uma solução, e ao sair da missa, pegou num jornal de anúncios, abriu ao acaso e encontrou uma máquina a preço muito favorável - era de uma pessoa que queria mudar de casa e não podia transportar a máquina pois morava no oitavo andar. Pediu a dois rapazes que se encontravam na rua que o ajudassem a transportar a máquina e ao final da tarde a jovem mãe estava toda contente com a sua nova máquina em segunda mão, mas em boas condições.
Como reagem os croatas quando sabem que vigário regional é estrangeiro?
Ser português é um bom cartão de apresentação. O facto de me esforçar para aprender bem a língua também é muito apreciado.
Admite trocar a Croácia por outro país?
Tudo depende do Prelado. Naturalmente que depois de dedicar tantos esforços a aprender a língua não é desejável mudar imediatamente. Mas a minha vida tem sido uma verdadeira aventura. A Deus pertence decidir qual será o próximo episódio - espero que seja crescer na Croácia, com uma nova residência em Zagreb e um novo centro em Split.
In site do Opus Dei
2 comentários:
Adorei quando li pela primeira vez o texto, e gostei muito de o ver aqui publicado. Belíssimo e inspiradíssimo, diz muito sobre o que é ser Católico neste "laboratório de pecadores" que é a Obra.
Um abraço!
Um grande abraço, Hugo.
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