sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Carta do Prelado [Novembro 2008]

A carta que D. Javier Echevarría escreve mensalmente está centrada, neste mês, no tesouro que é a Igreja. O Prelado do Opus Dei sugere algumas acções concretas para a amar e servir.

Queridíssimos: que Jesus me guarde as minhas filhas e os meus filhos!
Há poucos dias acabou a Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, na qual pude saborear com alegria, mais uma vez, a unidade e a universalidade da Igreja. Comoveu-me também a confiança no apostolado do Opus Dei que muitos Padres, de países muito diferentes, me manifestavam: bastantes agradeciam o serviço apostólico que os fiéis e Cooperadores da Obra realizam nas suas dioceses, e outros pediam-me para começar quanto antes o trabalho apostólico estável nos seus países ou regiões. Pensei muitas vezes nos sonhos do nosso Padre, quando nos lembrava que nos esperam em muitos sítios, e ao mesmo tempo rezava pelos futuros trabalhos.
Perante essas manifestações de interesse e de afecto, perante tantas chamadas urgentes, vinham-me à ideia com mais insistência aquelas palavras: Jesus! Almas!... Almas de apóstolo! São para Ti, para a Tua glória.

Façamos eco, em cada dia, a este clamor que o nosso Padre quer que ressoe nos nossos corações, enquanto nos ajuda a partir do Céu.
Vibrar com as necessidades da Igreja, em todos os continentes, é e será sempre uma característica muito própria dos cristãos. Esta profunda atitude do coração manifesta-se especialmente no dia de hoje, solenidade de Todos os Santos.

A solenidade que celebramos não só nos convida a recordar a imensa multidão das almas bem aventuradas, como nos faz também um convite a aprofundar no mistério da Igreja, da qual fazemos parte os que ainda peregrinamos na Terra, os que se purificam no Purgatório e os que já gozam de Deus no Céu.
Não me posso esquecer do júbilo com que S. Josemaria exprimia esta verdade. «Na Santa Igreja – escrevia a certa altura –, nós, os católicos, encontramos a nossa fé, as normas de conduta, a oração, o sentido da fraternidade e a comunhão com todos os irmãos que já desapareceram e que estão a purificar-se no Purgatório – Igreja padecente – ou que já gozam da visão beatífica – Igreja triunfante –, amando eternamente Deus, três vezes Santo. Por isso, a Igreja permanece aqui e, ao mesmo tempo, transcende a História. A Igreja que nasceu sob o manto de Santa Maria continua a louvá-la como Mãe na terra e no céu».
Um dos ensinamentos capitais de S. Paulo é precisamente sobre a natureza da Igreja: fala­‑nos dos discípulos do Senhor, convocados por Deus Pai e reunidos pelo Espírito Santo para formarem o Corpo Místico de Cristo.

Bento XVI sublinhou-o várias vezes ao longo deste ano dedicado ao Apóstolo dos gentios. Ao compasso de alguns dos seus ensinamentos, convido-vos a meditar nestas verdades durante as próximas semanas. Como fruto desta consideração, espero de Deus que em cada um de nós se intensifique o amor à nossa Mãe a Igreja e o desejo de a servir como a Igreja quer ser servida, em qualquer situação em que nos encontremos.
O Papa anima-nos a reparar, antes de mais, que o «primeiro contacto [do Apóstolo] com a pessoa de Jesus se deu através do testemunho da comunidade cristã de Jerusalém (…). A História demonstra que normalmente se chega a Jesus passando pela Igreja».

O Santo Padre comenta que, às vezes, como aconteceu a Saulo, o primeiro contacto com a Igreja (realidade espiritual e visível ao mesmo tempo) pode ser «um contacto turbulento. Ao conhecer o novo grupo de crentes, transformou-se imediatamente no seu feroz perseguidor. Ele próprio o reconhece por três vezes, em cartas diferentes».

Normalmente não tem por que ser assim, sobretudo se nós, os cristãos, procuramos reflectir fielmente a figura de Jesus nas nossas palavras e na nossa actuação. No caminho de Damasco, S. Paulo compreendeu que, «ao perseguir a Igreja, perseguia Cristo. Então, Paulo converteu-se ao mesmo tempo a Cristo e à Igreja. Assim se compreende, conclui Bento XVI, porque é que a Igreja esteve tão presente no pensamento, no coração e na actividade de S. Paulo».
Meditemos de novo nas palavras de Jesus Cristo ressuscitado.

À pergunta de Saulo – quem és tu, Senhor? –, o Senhor responde: Eu sou Jesus, a Quem tu persegues. «No fundo, nesta exclamação do Ressuscitado, que transformou a vida de Saulo, está contida toda a doutrina sobre a Igreja como Corpo de Cristo. Cristo não se retirou para o Céu, deixando na Terra uma multidão de seguidores que levam a “sua causa” para a frente. A Igreja não é uma associação que quer promover uma determinada causa. Não se trata de uma causa. Trata-se da pessoa de Jesus Cristo que, também como Ressuscitado, continua a ser “carne”. Aparece aos discípulos, que pensavam que era um espírito, em “carne e osso” (Lc 24, 39), como o próprio Ressuscitado afirma no Evangelho de S. Lucas. Tem um corpo. Está pessoalmente presente na Sua Igreja».
À luz destas considerações, aprofundamos mais na realidade de que qualquer ofensa à Igreja – à sua doutrina, aos seus sacramentos e instituições, aos seus Pastores, especialmente à sua cabeça visível, o Romano Pontífice – é menosprezar o próprio Jesus Cristo. Porque, apesar das fraquezas e erros que nós – os seus membros – arrastamos, a Igreja que contemplamos na Terra é sempre a Igreja de Deus, tal como Paulo repete inúmeras vezes: o Povo que Deus Pai convocou à Sua presença; o Corpo de Cristo que Jesus Cristo fundou pelo preço do Seu sangue, para prolongar a Sua presença na história até ao final dos tempos; o Templo do Espírito Santo, que se ergue como a verdadeira morada de Deus entre os homens. Com palavras de um Padre da Igreja que o Concilio Vaticano II assumiu, «toda a Igreja aparece como “um povo reunido em virtude da unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”».
A Unidade e Trindade de Deus define, pois, o fundamento último da realidade e natureza íntima da Igreja. Por isso, «enganar-se-iam gravemente aqueles que procurassem separar uma Igreja carismática – que seria a verdadeiramente fundada por Cristo –, doutra jurídica ou institucional, que seria obra dos homens e simples efeito de contingências históricas. Há uma Igreja só. Cristo fundou uma única Igreja: visível e invisível, com um corpo hierárquico e organizado, com uma estrutura fundamental de direito divino, e uma íntima vida sobrenatural que a anima, sustenta e vivifica».

A sublime visão da Igreja, que S. Paulo expõe nas suas epístolas, alicerça a fortaleza com que actua quando se põe em jogo a sua unidade ou a sua universalidade. Aos cristãos de Corinto, propensos a dividirem-se em facções opostas, adverte-os: Contaram-me, irmãos, que há contendas entre vós. E digo isto porque cada um de vós diz “Eu sou de Paulo”, “Eu de Apolo”, “Eu de Cefas”, “Eu de Cristo”. Está Cristo dividido? Porventura Paulo foi crucificado por vós? Ou fostes baptizados em nome de Paulo?
A defesa da unidade desta Mãe santa surge como uma paixão dominante na vida do Apóstolo, como também o foi a defesa da sua universalidade. «Desde o primeiro momento – ensina o Papa – tinha compreendido que esta realidade não era destinada só aos judeus, a um determinado grupo de homens, mas que tinha um valor universal e a todos dizia respeito, porque Deus é o Deus de todos». E assim, perante o risco de que a primitiva comunidade ficasse fechada nos limites da Sinagoga, o chamado Concílio de Jerusalém declara que todos os homens e mulheres, de qualquer raça, língua e nação, são chamados a uma plena incorporação na Igreja de Cristo, onde já não há judeu nem grego, não há servo nem livre, não há homem nem mulher: todos vós sois um só em Jesus Cristo.
Desta pertença da Igreja a Cristo procede «o nosso dever de viver realmente em conformidade com Cristo. Daqui derivam também as exortações de S. Paulo a propósito dos diferentes carismas que animam e estruturam a comunidade cristã. Todos se reportam a um único manancial, que é o Espírito do Pai e do Filho, sabendo que na Igreja ninguém carece de um carisma, pois, como o Apóstolo escreve, “a cada um é dada a manifestação do Espírito para utilidade comum” (1 Cor 12, 7)». É sinceramente piedosa a tua petição pro unitate apostolatus? Como rezas por todos os que gastam a sua existência pela Igreja? Sabes chegar com a oração até ao último lugar onde se trabalha por Cristo?
Quantas graças havemos de dar a Deus por ter querido que a Igreja seja, ao mesmo tempo, única e tão variada! E que respeito devemos mostrar por todas as manifestações com as quais o Espírito Santo quer adornar a Esposa de Cristo! «Na Igreja, há diversidade de ministérios, mas um só é o fim: a santificação dos homens. Nesta tarefa participam de algum modo todos os cristãos, pelo carácter recebido com os Sacramentos do Baptismo e da Confirmação.

Todos temos de nos sentir responsáveis por essa missão da Igreja, que é a missão de Cristo». Ninguém está a mais na Igreja, todos somos precisos. O ponto fulcral está na comunhão com a sua Cabeça visível, com os Pastores e com todo o Povo de Deus, cada um segundo o chamamento e a graça que recebeu.
No contexto dos ensinamentos eclesiológicos de S. Paulo adquire todo o seu relevo a realidade teológica e jurídica da Obra, que é uma pequena parte da Igreja. Gosto de o considerar na altura em que estamos quase a terminar o ano mariano especial, que convoquei para comemorarmos as bodas de prata da Prelatura, erigida a nível pontifício. O trabalho apostólico do Opus Dei – dos seus fiéis leigos e dos seus sacerdotes – é necessariamente uma colaboração para a vitalidade pastoral das Igrejas particulares nas quais a Prelatura vive e actua.
Assim o recordava com imenso afecto o Servo de Deus João Paulo II, quando, ao falar da «natureza hierárquica do Opus Dei», acrescentava: «A pertença dos fiéis leigos, tanto à sua Igreja particular como à Prelatura, em que estão incorporados, faz que a missão peculiar da Prelatura conflua no compromisso evangelizador de toda a Igreja particular, tal como o Concílio Vaticano II previu, ao apresentar a figura das prelaturas pessoais».
É mais um sinal do que Bento XVI sublinhava recentemente: «“A Igreja de Deus” não é apenas a soma de diferentes Igrejas locais, porque as diversas Igrejas locais são, por sua vez, realização da única Igreja de Deus. Todas juntas são a “Igreja de Deus”, que precede as Igrejas locais e que nelas se exprime, se realiza». E o Opus Dei cumpre esse fim, ao serviço da Igreja, do Romano Pontífice e de todas as almas, como uma das instituições que o Romano Pontífice pode erigir para realizar peculiares tarefas pastorais. Estas, «enquanto tais, pertencem à Igreja universal, se bem que os seus membros sejam também membros das Igrejas particulares onde vivem e trabalham (…). Isto não só não lesa a unidade da Igreja particular fundamentada no Bispo como, pelo contrário, contribui para dar a esta unidade a diversificação interior própria da comunhão».
Neste sentido, alegra-me comunicar-vos que já começámos o trabalho apostólico estável na Indonésia. E que está muito próximo, se Deus quiser, o momento em que se abrirá o primeiro Centro em Bucareste. Também estamos a preparar o início do trabalho estável na Bulgária e na Coreia.

À vossa oração e à dos que participam nos trabalhos da Obra confio a expansão apostólica nestes lugares e em tantos outros.
Seguindo as pegadas do nosso Padre, fui rezar diante da imagem da Medalha Milagrosa da Rue du Bac, em Paris. Ali apresentei a vossa oração a Santa Maria, para que Ela nos ajude a realizar o grande milagre de converter a vida quotidiana em santidade heróica. Percorramos estes últimos dias do ano mariano e todo o tempo da nossa vida bem agarrados à mão de Nossa Senhora, cumprindo a indicação que deu aos servos de Caná: Fazei o que Ele vos disser.

Procuremos imitar aqueles criados, com a vontade de responder – todas e todos – usque ad summum, plenamente, com oração e trabalho.

Não posso acabar sem vos pedir, uma vez mais, que vos unais às minhas intenções, especialmente na Santa Missa. Rezai, nestes dias, pelos vossos irmãos a quem vou administrar o diaconado, em Roma, no próximo dia 22 de Novembro, véspera da solenidade de Cristo Rei.
Com todo o afecto, abençoa-vos
O vosso Padre
+ Javier

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