sábado, 11 de abril de 2009

Carta do Prelado (Abril 2009)

Queridíssimos: que Jesus me guarde as minhas filhas e os meus filhos!

No próximo domingo, com a comemoração da entrada triunfal de Jesus Cristo em Jerusalém, começa a Semana Santa, que culminará no Tríduo pascal da Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor. O Sacrifício do nosso Redentor, que se torna presente cada vez que se celebra a Santa Missa, manifesta-se-nos com esplendor nas solenes celebrações litúrgicas de Quinta e Sexta-feira santas e na Vigília pascal. Preparemo-nos desde já com maior intensidade para esses momentos. Vamos ao encontro da graça que com tanta abundância se nos oferece. Temos de acompanhar o Senhor muito de perto.Encontrando-nos no pórtico da Semana Santa, recordemos que, como S. Josemaria escreve, tudo o que as diversas manifestações de piedade nos trazem à memória nestes dias se encaminha decerto para a Ressurreição, que é o fundamento da nossa fé, como escreve S. Paulo (cfr. 1 Cor 15, 14), mas não percorramos este caminho demasiado depressa. Não deixemos cair no esquecimento uma coisa muito simples, que por vezes parece escapar-se-nos: não poderemos participar da Ressurreição do Senhor se não nos unirmos à Sua Paixão e à Sua Morte (cfr. Rm 8, 17). Para acompanhar Cristo na Sua Glória, no final da Semana Santa, é necessário que penetremos antes no Seu holocausto, e que nos sintamos uma só coisa com Ele, morto no Calvário. Com que exigência, com que fervor te preparaste nestas cinco semanas da Quaresma? Ainda nos restam alguns dias para melhorar, para reparar se for preciso!Os ensinamentos de S. Paulo são muito claros. Convido-vos a meditá-los e a pô-los em prática com esforço renovado. Neste ano dedicado ao Apóstolo das gentes, peçamos a sua intercessão para que, seguindo o seu exemplo, todos nós, os cristãos, nos conven­çamos bem de que, para nos identificarmos com Cristo, como é o nosso maior desejo, não há outro caminho senão o de O acompanharmos pela senda do Calvário. Dizemo-lo todos os dias ao rezar a oração final do Angelus: per passionem eius et crucem, ad ressurrectionis gloriam perducamur. Que, imitando-O na generosa entrega que a Semana Santa nos põe diante dos olhos, sejamos também participantes da glória da Sua Ressurreição.Bento XVI, numa das alocuções do ano paulino, explicava que Saulo, enquanto que, no início fora um perseguidor e recorrera à violência contra os cristãos, a partir do momento da sua conversão no caminho de Damasco passou-se para o lado de Cristo crucificado, fazendo d’Ele a sua razão de vida e o motivo da sua pregação. A sua existência foi inteiramente consumida pelas almas (cfr. 2 Cor 12, 15), nada tranquila nem protegida contra ameaças e dificuldades. No encontro com Jesus, tornou-se-lhe claro o significado central da Cruz: compreendera que Jesus tinha morrido e ressuscitado por todos e por ele mesmo. Ambas as realidades eram importantes: a universalidade – Jesus morreu realmente por todos – e a subjectividade: Ele morreu também por mim. Portanto, na Cruz manifestou-se o amor gratuito e misericordioso de Deus.

Agora que estamos quase a entrar na Semana Santa, detenhamo-nos nestas palavras, porque elas indicam a razão última do Sacrifício de Cristo. Foi o amor que levou Jesus ao Calvário. E, já na Cruz – explica o nosso Padre – todos os Seus gestos e todas as Suas palavras são de amor, de amor sereno e forte. Aprofundemos no facto de a segunda Pessoa da Trindade se ter feito homem sem deixar de ser Deus, para assumir livremente o peso de todos os pecados cometidos e dos que se irão cometer ao longo dos séculos, oferecendo ao Criador, por nós, uma reparação de valor infinito. Porque tanto amou Deus o mundo que lhe entregou o Seu Filho unigénito, para que todo o que acredita n’Ele não morra, mas tenha a vida eterna. Pois Deus não enviou o Seu Filho ao mundo para julgar o mundo, mas para que o mundo se salve por Ele.Quantas graças temos que dar a Nosso Senhor pelo amor imenso que nos manifestou e nos continua a manifestar! Que gratidão havemos também de mostrar à Virgem Maria, Sua Mãe, que cooperou com o seu fiat no desígnio redentor! Mas não esqueçamos que amor com amor se paga. O nosso afecto, mesmo que seja grande, é nada comparado com o amor infinito de Deus. Isso é verdade, mas o Senhor contenta-se com esse pouco se Lho oferecemos totalmente. O resto é Ele que o põe, porque o Amor de Deus foi derramado nos nossos corações por meio do Espírito Santo que nos foi dado.

Decidamo-nos pois, nesta Semana Santa, a deixar com inteira generosidade – uma vez mais – o nosso ser e a nossa vida nas mãos de Deus. Descobriremos assim com mais profundidade o sentido da renovação das promessas do Baptismo que fazemos na Vigília Pascal. A maior parte de nós unimo-nos a Cristo e à Igreja quando ainda éramos muito pequenos, porque os nossos pais procuraram em nosso nome as águas regeneradoras do Baptismo. Agora apresenta-se-nos a oportunidade litúrgica de ratificar esses compro­mis­sos adquiridos. Façamo-lo com gratidão e alegria, conscientes do imenso presente que Deus nos ofereceu, e com o desejo de colaborar com Cristo para levar a salvação a todas as criaturas. Ao vermos o mundo nos mapas, ao ler ou ouvir as notícias nos meios de comunicação, desejamos que Ele chegue às almas?S. Paulo renunciou à própria vida entregando-se totalmente a si mesmo pelo ministério da reconciliação, da Cruz, que é salvação para todos nós. E também nós devemos saber fazer isto. Podemos encontrar a nossa força precisamente na humildade do amor, e a nossa sabedoria na debilidade de renunciar [a nós mesmos], para entrar assim na força de Deus. Todos nós devemos formar a nossa vida sobre esta verdadeira sabedoria: não viver para nós mesmos, mas viver na fé naquele Deus de Quem todos nós podemos dizer: “Amou-me e entregou-se a Si mesmo por mim”.

Difundamos esta certeza entre todas as pessoas com quem nos encontrarmos, mesmo que, humanamente falando, as circunstâncias se apresentem difíceis, também as que agora surgem da crise económica que afecta os países de um modo ou de outro, nos diferentes estratos da sociedade. Usando os recursos humanos nobres que estejam ao vosso alcance para superar as dificuldades e para ajudar outras pessoas, descobri a Providência de Deus em tudo o que vos acontece.Perguntemo-nos: como é a minha reacção perante o que não gosto ou perante uma contrariedade? Luto para rectificar e elevar cada questão ao plano sobrenatural? Depois de um momento de vacilação – muito compreensível porque somos humanos – respondamos logo e com determinação: Tu o queres, Senhor?... Eu também o quero! . Não devemos contudo perder de vista que, depois da Cruz veio a Ressurreição e a gloriosa Ascensão ao Céu. O Senhor chama-nos a acompanhá-Lo no Seu triunfo, ao qual se chega sempre pela abnegação. A morte de Cristo no Calvário não foi a última palavra. A última palavra manifesta-se-nos com a Sua glorificação em corpo e alma para a glória do Pai . Isto ensinava S. Paulo aos fiéis de Corinto quando lhes escrevia: se Cristo não ressuscitou é vã a nossa pregação e é vã também a vossa fé (…), ainda estais nos vossos pecados [9]. Com esta grande certeza, que nós, os cristãos, havemos de ter sempre presente, Santo Agostinho escrevia: «Não é coisa grande acreditar que Cristo morreu. Nisso também acreditam os pagãos, os judeus e todos os perversos. Todos acreditam que Cristo morreu. A fé dos cristãos consiste na Ressurreição de Cristo. O que consideramos grandioso é acreditar que Cristo ressuscitou». A morte do Senhor – explica Bento XVI – demonstra o amor imenso com que nos amou até ao sacrifício por nós. Mas só a Sua ressurreição é “prova certa”, é certeza de que quanto Ele afirma é verdade, que vale também para nós, para todos os tempos (…). É importante reafirmar esta verdade fundamental da nossa fé, cuja verdade histórica é amplamente documentada, mesmo se hoje, como no passado, não falta quem, de modos diversos, a põe em dúvida ou até a nega. O enfraquecimento da fé na ressurreição de Jesus torna débil, consequentemente, o testemunho dos crentes. Os sofrimentos humanos e a própria morte, se não se separam da fé no Filho de Deus, adquirem o seu verdadeiro sentido. Gosto de vos recordar aquela exortação do nosso Padre: tende esta fé sobrenatural, sabei que moveremos montanhas, que ressus­citaremos os mortos, que daremos voz a muitos que não sabem falar…, e eficácia de obras ao corpo paralisado! Saber isto e acreditar nisto, estar seguros do Senhor em cada momento concreto não é fanatismo, é acreditar em Cristo ressuscitado, sem cuja Ressurreição inanis est et fides vestra (1 Cor 15, 14), é vã a nossa fé . Porque “a teologia da Cruz não é uma teoria, é a realidade da vida cristã (…). O cristianismo não é o caminho do conforto, é antes uma escalada exigente, mas iluminada pela luz de Cristo e pela grande esperança que nasce d’Ele (…). Só experimentando assim o sofrimento, conhecemos a vida na sua profundidade, na sua beleza, na grande esperança suscitada por Cristo crucificado e ressuscitado” .

Por isso o crente, associado voluntariamente a Jesus Cristo no Seu mistério pascal, participa na missão de Cristo e colabora com Ele para levar ao seu cumprimento – também no mundo material – a vitória completa do Senhor sobre o demónio, o pecado e a morte. Esta foi a grande revolução cristã: converter a dor em sofrimento fecundo, de um mal, tirar um bem. Despojámos o diabo dessa arma … e, com ela, conquistamos a eternidade. Projectando-se sobre cada um dos nossos dias, a luz desta doutrina ajuda-nos a viver intensamente a Páscoa, em íntima união com o Senhor. Unamos à nossa resposta diária o conselho que S. Josemaria dava, numa altura em que lhe perguntaram como tratar melhor Jesus na Semana Santa: lê a Paixão do Senhor, e medita-a, sendo tu mais um personagem. Pensa – e podes fazê-lo perfeitamente porque a isso nos convida S. Paulo – que aquilo está a acontecer agora, não há dois mil anos: Jesus Christus heri et hodie, ipse et in saecula (Heb 13, 8). O Senhor é o mesmo ontem, hoje e sê‑lo‑á sempre. Podes meter-te entre os discípulos, entre os amigos do Senhor, e até entre os inimigos, a ver o que se passa. Reage com a cabeça e com o coração, como terias reagido ao ver como O tratavam. Assim estarás a viver muito bem a Semana Santa. Permito-me acrescentar: propõe-te não O deixar só. Para o conseguires recorre a Maria.No final de Março, fiz uma viagem a Bilbau, convidado pelo Bispo da Diocese, para dar uma conferência num Congresso sobre os católicos e a vida pública. Aproveitei para ir também a Pamplona e a Saragoça. Nesta cidade, rezei diante de Nossa Senhora do Pilar, invocação tão ligada aos primeiros tempos da evangelização em Espanha. Recor­dando os longos tempos de oração de S. Josemaria na Basílica de Saragoça, supliquei, com todos vós, à nossa Mãe, pelo Papa e pelas suas intenções, pela Igreja universal e por esta partezinha da Igreja, a Obra.Continuemos a invocar o Senhor, bem unidos na oração. As próximas semanas oferecem-nos muitas oportunidades. O dia 16 traz-nos o aniversário do nascimento do Papa, e o dia 19 o quarto aniversário da sua eleição para a Sé de Pedro: duas datas muito oportunas para nos unirmos mais à sua Pessoa e às suas intenções. Pouco depois, a 20 de Abril, completam-se quinze anos da minha nomeação como Prelado do Opus Dei: rezai por mim, porque preciso. A 23, é um novo aniversário da Confirmação e da Primeira Comunhão do nosso Padre. E no fim do mês, a 29, celebra-se a festa litúrgica de Santa Catarina de Sena, grande apaixonada da Igreja e defensora do Romano Pontífice, interces­sora da Obra no apostolado da opinião pública. Desde já me alegro muito ao pensar nas orações que subirão da Terra ao Céu, por ocasião destas efemérides.

Com todo o afecto, abençoa-vos

o vosso Padre

+ Javier

Roma, 1 de Abril de 2009

O autor do blogue Sulco deseja a todos Santa Páscoa


Na noite, em que Jesus Cristo passou da morte à vida, a Igreja convida os seus filhos a reunirem-se em vigília e oração. Na verdade, a Vigília pascal foi sempre considerada a mãe de todas a vigílias e o coração do Ano litúrgico. A sensibilidade popular poderia pensar que a grande noite fosse a noite de Natal, mas a teologia e a liturgia da Igreja adverte que é a noite da Páscoa, «na qual a Igreja espera em vigília a Ressurreição de Cristo e a celebra nos sacramentos» (Normas gerais sobre o Ano litúrgico, 20). No texto do Precónio pascal, chamado o hino “Exsultet” e que se canta nesta celebração, diz-se que esta noite é «bendita», porque é a «única a ter conhecimento do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro! Esta é a noite, da qual está escrito: a noite brilha como o dia e a escuridão é clara como a luz». Por isso, desde o início a Igreja celebrou a Páscoa anual, solenidade das solenidades, com um vigília nocturna.
A celebração da Vigília pascal articula-se em quatro partes: 1) a liturgia da luz ou “lucernário”; 2) a liturgia da Palavra; 3) a liturgia baptismal; 4) a liturgia eucarística.
1) A liturgia da luz consiste na bênção do fogo, na preparação do círio e na proclamação do precónio pascal. O lume novo e o círio pascal simbolizam a luz da Páscoa, que é Cristo, luz do mundo. O texto do precónio evidencia-o quando afirma que «a luz de Cristo (...) dissipa as trevas de todo o mundo» e convida a «celebrar o esplendor admirável desta luz (...) na noite ditosa, em que o céu se une à terra, em que o homem se encontra com Deus!».
2) A liturgia da Palavra propõe sete leituras do Antigo Testamento, que recordam as maravilhas de Deus na história da salvação e duas do Novo Testamento, ou seja, o anúncio da Ressurreição segundo os três Evangelhos sinópticos, e a leitura apostólica sobre o Baptismo cristão como sacramento da Páscoa de Cristo. Assim, a Igreja, «começando por Moisés e seguindo pelos Profetas» (Lc 24,27), interpreta o mistério pascal de Cristo. Toda a escuta da Palavra é feita à luz do acontecimento-Cristo, simbolizado no círio colocado no candelabro junto ao Ambão ou perto do Altar.
3) A liturgia baptismal é parte integrante da celebração. Quando não há Baptismo, faz-se a bênção da fonte baptismal e a renovação das promessas do Baptismo. Do programa ritual consta, ainda, o canto da ladainha dos santos, a bênção da água, a aspersão de toda a assembleia com a água benta e a oração universal. A Igreja antiga baptizava os catecúmenos nesta noite e hoje permanece a liturgia baptismal, mesmo sem a celebração do Baptismo.
4) A liturgia eucaristica é o momento culminante da Vigília, qual sacramento pleno da Páscoa, isto é, a memória do sacrifício da Cruz, a presença de Cristo Ressuscitado, o ápice da Iniciação cristã e o antegozo da Páscoa eterna.
Estes quatro momentos celebrativos têm como fio condutor a unidade do plano de salvação de Deus em favor dos homens, que se realiza plenamente na Páscoa de Cristo por nós. Por consequência, a Ressurreição de Cristo é o fundamento da fé e da esperança da Igreja.
Gostaria de destacar dois elementos expressivos desta solene vigília: a luz e a água.
A Vigília na noite santa abre com a liturgia da luz, evocando a ressurreição de Cristo e a peregrinação de Israel guiado pela coluna de fogo. A liturgia salienta a potência da luz, como o símbolo de Cristo Ressuscitado, no círio pascal e nas velas que se acendem do mesmo, na iluminação progressiva das luzes da igreja, ao acender das velas do altar e com as velas acesas na mão para a renovação das promessas baptismais. O símbolo mais iluminador é o círio, que deve ser de cera, novo cada ano e relativamente grande, para poder evocar que Cristo é a luz dos povos. Ao acender o círio pascal do lume novo, o sacerdote diz: «A luz de Cristo gloriosamente ressuscitado nos dissipe as trevas do coração e do espírito» e depois apresenta o círio como «lumen Christi=a luz de Cristo». Quando alguém nasce, costuma-se dizer que «veio à luz» ou que «a mãe deu à luz». Podemos, por isso dizer que a Igreja veio à luz na Páscoa de Cristo. De facto, toda a vida da Igreja encontra a sua fonte no mistério da Páscoa de Cristo.
A água na liturgia é, igualmente, um símbolo muito significativo. «A água é rica de mistério» (R. Guardini). Ela é simples, pura, limpa e desinteressada. Símbolo perfeito da vida, que Deus preparou, ao longos dos tempos, para manifestar melhor o sentido do Baptismo. A oração da bênção da água faz memória da acção salvífica de Deus na história através da água. Com efeito, a água é benzida, para que o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, «no sacramento do Baptismo seja purificado das velhas impurezas e ressuscite homem novo pela água e pelo Espírito Santo». Na tradição eclesial, a fonte baptismal é comparada ao seio materno e a Igreja à mãe que dá à luz
O simbolismo fundamental da celebração litúrgica da Vigília é o de ser uma “noite clara”, ou melhor «a noite que brilha como o dia e a escuridão é clara como a luz». Esta noite inaugura o “Hodie=Hoje” da liturgia, como se tratasse de um único dia de festa sem ocaso (o dia da celebração festiva da Igreja que se prolonga pela oitava pascal e pelos cinquenta dias do Tempo pascal), no qual se diz «eis o dia que fez o Senhor, nele exultemos e nos alegremos» (Sl 118).
P. José Cordeiro
Reitor do Pontifício Colégio Português
Retirado do site Ecclesia